quarta-feira, 30 de maio de 2012

RESENHA: OS CORUMBAS


            Apesar de ter nascido em Santos/SP em 15 de maio de 1899, Amando Fontes foi de família oriunda de Sergipe, Estado em que passa grande parte de sua infância. Nos primeiros anos de sua adolescência, Amando demonstra sério interesse pelas leituras ficcionais de José de Alencar, Eça de Queirós, Émile Zola, Ramalho Ortigão entre outros. Sua trajetória de vida foi bastante dinâmica, sendo jornalista, advogado e Deputado Federal e Estadual, passando por Estados como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. A partir de 1946, como Deputado Estadual, Fontes passa a influenciar a política do Estado de Sergipe com atuações de destaque, sendo um dos signatários da carta Constitucional do mesmo ano. Fez discursos, projetos, emendas, pareceres, o que garantiu-lhe a reeleição em 1950. O autor faleceu em 1º de dezembro de 1967. Em sua trajetória como escritor literário deixou duas belas obras cujo cenário é sua saudosa Aracaju: Os Corumbas e Rua de Siriri.
O romance Os Corumbas foi publicado em 1933 quando Amando Fontes se encontrava no Rio de Janeiro, logo consegue grande prestígio por parte de grandes escritores da época como Mário de Andrade que felicita o autor por seu romance ser bem escrito, entrelaçado, pela perfeição de seus personagens, e, sobretudo, pelo seu dom de dialogação. João Ribeiro foi o primeiro crítico que, na imprensa brasileira, se manifesta a favor de Os Corumbas por ser um romance como poucos. Suas colocações elogiosas ratificam a repercussão positiva que teve o romance para época em que foi publicado.
A década de 1930 representou na história econômico-social brasileira uma ruptura definitiva com os moldes de produção voltados somente para monocultura agrícola. A economia brasileira se diversifica, a indústria e o comércio ganham força, o que confere o surgimento de um modelo de exploração do trabalho concentrado nos centros urbanos. Vestidos de modernização, esses novos hábitos de vida citadinos se mostravam contraditórios, pois, ao mesmo tempo que havia o discurso de novos e bons tempos, a miséria, a exploração, a falta de higiene e segurança nas fábricas continuava relegando a classe trabalhadora aos modelos desumanos de vida outrora percebidos no campo. No Estado de Sergipe, esse processo não foi diferente, a elite político-econômica de Aracaju se apropriou do discurso modernizador e civilizatório encabeçado pelo desejo dessa própria elite de imitar o “avanço” da Europa em seu modelo fabril de produção em série, introjetando na sociedade a necessidade de mudança através do trabalho. Essa palavra (trabalho) passou a disciplinar a vida de quem morava em locais estrategicamente periferizados pelas elites aracajuanas que buscavam as melhores áreas da cidade para erguer suas casas.
É neste cenário de exclusão que o romance que Os Corumbas representa uma obra de reflexão sobre a realidade sergipana e brasileira, um romance sobre o proletariado que mostra o revés da modernização.
Antônio de Alcântara Machado escreve sobre Os Corumbas no ano de sua publicação afirmando ser a obra a abertura de um novo rumo na literatura brasileira, sem estigmatismo de folclorização da figura do retirante sertanejo que foge para cidade em busca de melhores condições de vida. Assim, o romance deixa de ser essencialmente idealizado, descritivo para ter um cunho ao mesmo tempo neo-realista e pré-comunista.
Os Corumbas trata da vinda de uma família pobre do interior para a Aracaju industrializada. Em busca de melhores condições de vida Sá Josefa e seu Geraldo saem com seus quatro filhos de um pequeno povoado do interior sergipano para morar em Aracaju. Na cidade suas filhas mais velhas Rosenda e Albertina poderiam trabalhar em uma fábrica de tecidos e ter bons casamentos. O filho Pedro poderia conseguir um emprego como ferreiro ou maquinista e a filha mais nova Caçulinha poderia estudar e ser professora. Na cidade o ritmo de vida era guiado pelo apito das fábricas, sobretudo a Sergipe Industrial e a Têxtil.
Devido a um longo período de estiagem, a vida no campo se torna insustentável. Casados e com a necessidade de sustentar os filho e lhes dar um futuro digno Sá Josefa e Geraldo vêem na cidade a possibilidade de arrumar emprego e grande chance de melhorar de vida.
Porém, os seis anos que a família de Sá Josefa passou na cidade foram repletos de decepções e desgraças, acontecimentos que desonraram a família e retirou o sonho de serem felizes. Pedro, apesar de ser fechado em seu mundo trava amizade com um intelectual, através do qual entra em contato com textos de Lênin. A partir de então Pedro envolvido nos ideais comunistas, participa de uma greve geral, fato que causa sua prisão e consequente deportação para o sul do país.
Rosenda e Albertina tornam-se operárias. Só que para desgosto da família, Rosenda foge com o namorado, o cabo Inácio dos Santos. Albertina sofre assédio do patrão na fábrica, é iludida e abandonada, logo caindo na prostituição.
As condições financeiras da família não são boas, o que aflige e os obriga  a passar por uma série de constrangimentos. A desagregação da família leva Sá Josefa e seu Geraldo ao infortúnio. A vida na cidade se mostrou perversa e a única alternativa que lhes restou foi o retorno vergonhoso e desolador.
Apesar de ser considerado um romance proletário, a obra não dá conta de todas as percepções possíveis do proletariado. É uma história dentre outras que compunham o cenário sócio-histórico da Aracaju moderna do início do século XX. Obviamente, nem todas as famílias oriundas do interior tiveram um destino drástico como os Corumbas, nem tão pouco há um antagonismo entre a cidade e o campo, este como lugar bom e aquele como lugar ruim. Portanto é preciso levar em consideração o caráter ficcional e a micro-história envolvida na trama. Todavia, podemos destacar que, assim como tantas outras obras literárias ou não, o romance de Amando Fontes é fruto de suas acepções, uma pessoa que escreveu mergulhada num tempo e num espaço diferentes do nosso, com esperanças e desventuras do seu tempo histórico, mas que mesmo assim consegue ser atual à medida que fala de problemas sociais que ainda afligem nossa sociedade.

REFERÊNCIA
FONTES, Amando. Os Corumbas. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2003.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

RESENHA DA OBRA: ENSINO DE HISTÓRIA: FUNDAMENTOS E MÉTODOS DE CIRCE MARIA FERNANDES BITTENCOUR

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE- UFS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS- CECH
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA- DHI
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA- PIBID


ORIENTADORA: Prof.ª Dra. CÉLIA COSTA CARDOSO                                                        RONALDO BRASIL DOS SANTOS






RESENHA DA OBRA: ENSINO DE HISTÓRIA: FUNDAMENTOS E MÉTODOS DE CIRCE MARIA FERNANDES BITTENCOURT










São Cristóvão,
Fevereiro de 2011

            Suas contribuições na área de ensino de história e participação em diversas obras fazem de Circe Maria Fernandes Bittencourt uma referência no tocante ao ensino no Brasil, seus métodos e fundamento ao longo da história da educação brasileira. Recentemente vem trabalhando com a formação de professores e tem se dedicando à educação indígena.
            Suas orientações de cursos de pós-graduação trazem para suas obras novas abordagens e questionamentos sobre o ensino de história em todo país. Há, inclusive, no presente tralhado, referências feitas a grupos de pesquisas, os quais considera de suma importância para mostrar as dados sobre o ensino e contribuir com apontamentos recentes pois o ensino é algo dinâmico e requer um acompanhamento rigoroso por parte do pesquisador.
            É justamente a preocupação de Circe Bittencourt com questões inerentes ao ensino de história que insticou um trabalho sobre seus fundamentos e métodos. Os questionamentos e polêmicas que circundam a área educacional e as polêmicas sobre o método de ensino ideal para as novas gerações são lançadas no intuito de ajudar o público docente, chamando a atenção para os novos desafios da profissão.
             A partir do ano de 1967, quando obtem o nível superior, Circe se envolver a história das disciplinas escolares e Currículos além de estudos sobre a história do livro didático. Não só suas pesquisas mas também os trabalhos de tantos outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros ajudaram a compor a presente obra, cuja intenção central é abrir caminhos para uma prática de ensino prazerosa e ao mesmo tempo difícil e desafiante.
            A autora trás uma vasta linha de discussões a cerca da história do ensino de história dividido sistematicamente em três unidades. Como abordagem essencial para a importância da prática escolar, trás uma reflexão sobre o conceito de disciplina escolar, fazendo apontamento de alguns autores ingleses e franceses sobre como eles vêem a disciplina escolar e sua relação com o conhecimento produzido na academia.
            Segundo o pesquisador francês Yves Chevallard, que rotula a disciplina escolar como apenas sendo uma “transposição didática do conhecimento acadêmico, a disciplina escolar depende do conhecimento erudito e que essa didática vulgariza o conhecimento científico. Alguns estudiosos, sobretudo franceses e ingleses não legitimam o conhecimento produzido em sala de aula, outros vão mais além, acreditam numa hierarquização entre os dois níveis, em que o conhecimento escolar e totalmente dependente do conhecimento acadêmico, o papel do professor é de um adaptador do conhecimento científico ao meio escolar, fazendo uso da didática para transformar esse conhecimento acessível aos alunos.
            Cice Bittencourt também expõe as versões antagônicas, citando o inglês Ivor Goodson e o francês André Chervel que defendem a disciplina escolar como entidade específica e com um conhecimento próprio e distinto do acadêmico. Seus argumentos se baseiam no caráter prático que o conhecimento escolar possui, o qual dispõe de uma nova conotação, ou seja, a ação dos agentes sociais e políticos, os quais necessitam de mudanças constantemente, fazendo-os abandonar, muitas vezes, referências científicas.
            Segunda André Chervel, as disciplinas escolares se constituíram de acordo com as necessidades sociais que variam no tempo e no espaço, ou seja, o desenvolvimento industrial, a tentativa de criar um sentimento patriótico na sociedade etc, criam necessidades no meio escolar, ou numa cultura escolar e estabelecem finalidades conteúdos, métodos e forma de avaliação das disciplinas que compõem, não aleatoriamente, o currículo escolar.
             Em seguida, Ivor Goodson é novamente mencionado quando a autora fala que o conhecimento escolar produz seu próprio conhecimento, atendendo as necessidades sociais e políticas, tomando como exemplo, a Educação Ambiental.
            Para o historiador francês Henri Moniot, a divisão dos períodos históricos surgiu de uma necessidade escolar que forneceu modelos para a academia criando áreas de pesquisa em História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Os cursos superiores, mencionado o caso específico de História se apóiam no conteúdo do livro didático ou de programas de vestibulares. Com tom de conclusão, Bittencourt encerra com a afirmativa que a História escolar tem um perfil próprio, assim como a academia e que não se pode separar os dois níveis de conhecimento.
            Ao destacar o papel do professor neste processo, Circe inicia o parágrafo “Professores e Disciplina Escolares” afirmando ser o professor um peça fundamental do processo de ensino e que é ele quem transforma o saber a ser ensinado em saber a ser apreendido. O professor não é um mero “reprodutor do saber, sua atividade exige saber complexo, desenvoltura, domínio.
            Para os estudiosos do saber docente, o canadense Maurice Tardif e a brasileira Ana Monteiro, os professores dominam os saberes das disciplinas, os currículos, o saber da formação profissional e os saberes da experiência, dessa forma, o saber docente deve ser reconhecido como saber original.
            Como componente da primeira unidade o capítulo II faz um breve histórico do ensino de história.
            Isolado do conhecimento científico na época do Brasil império, a História, dentro do ensino tinha funções determinadas pelos agentes políticos, como para desenvolver na criança um sentimento de identidade nacional com o intuito de homogeneizar. Em 1827 no Brasil, o básico considerado para se aprender no ensino primário era leitura, escrita e aritmética. Qualquer tema histórico abordado tinha o caráter exemplar de dever patriótico e respeito aos governantes. Os vertentes históricas abordadas nas escolas tinha a finalildade específica de modelar comportamento e a forma de pensar do indivíduo vista pela História Sagrada (aplicada muitas vezes sob sabatina e castigos físicos, História Patriótica, cívica e moralista, A história Heróica e a História Biográfica. Caucando-se, sobretudo no modelo educacional francês, o Brasil acabou adotando estereótipos preconceituosos europeus que levaram ao enaltecimento de uma história elitizada, voltada para contar apenas as glórias que os “descobridores” tiveram ao levar a “civilização” ao Brasil.
            Em seguida a autora fala de da memorização do processo de aprendizagem que perdura até hoje no sistema de ensino brasileiro, como datas nomes e frases repetidas em toda parte.
            Já no ensino secundário no primeiro império, prevalece uma história humanística de estudos clássicos e do latin, esse tipo de conhecimento diferenciava a elite do povo iletrado e sem acesso à educação. Esse mesmo humanismo  é bastante criticado  pelos cientistas posittistas que se voltavam para para a influência do capitalismo industrial, a ahistória e usada essencialmente para justificar ações e louvar os constritores do estado-nação, um herói branco, europeu, sobretudo português. Seja nas escolas ou nos discussos públicos eram contada uma história fantasiosa e manipulada pelos agentes do poder. Tansmitia-se ao povo a idéia de uma Europa boa e bela, berço da nação brasileira. Isso explica, por exemplo, a organização dos períodos históricos em quais o Brasil “nasce” depois do medievo, vem sempre depois como algo “atrasado”. A História Geral é tida como algo maior, mais importante.
            Ainda dentro do histórico da disciplina, temas na obra da Circe Maria Fernandes Bittencourt tópicos dedicados às renovações curriculares e a atuação dos novos métodos e tecnologias o qual elenca uma necessidade de os novos métodos de ensino entrarem na órbita do mundo globalizado. A autora lança alguns questionamentos sobre como a escola se prepara para receber as novas gerações na “cultura das mídias”. Além disso, ressalva o cuidado com as informações das novas mídias como a televisão e o computador. O acesso a essas novas tecnologias não pode servir  de instrumento de exclusão social e cultural, tendo em vista e realidade precária da escola pública brasileira.
            Diante de tantos desafios que as novas gerações fornecem para as propostas curriculares, podem ser destacados alguns avanços:
·         Maior autonomia do professor;
·         Fundamentação pedagógica construtivista;
·         O aluno é visto como sujeito do processo, interferindo no andamento com seu “conhecimento prévio”.
         Desde a década de 1930 que formuladores de propostas curriculares já vinham
Pensando em substituir as História e Geografia por Estudos Sociais tendo como influência pedagógica as teorias do suíço Jean Piaget (1896 – 1980), segundo a qual as crianças desenvolvem por estágios determinados pela maturação biológica que delimitam sua capacidade de aprendizagem, ou seja, nas séries iniciais do primário as crianças não teriam condições de aprender conceitos históricos, lhe bastando um conteúdo bem mais simples como a realidade de sua família ou do seu bairro e a sociedade que a redeiam, cabendo às séries posteriores (atual 5ª ano) o estudo da história mundial e dos conceitos. Esse modelo foi implantado a partir da década de 1960 pelos governos militares. A partir de 1985, sob propostas e reivindicações de professores e defensores do retorno da história e Geografia não só no ensino primário (substituindo Estudos Sociais), mas também secundário (substituindo os estudos de Organização Social e Política Brasileira), termina a ditadura e com ela alguns aspectos de seu modelo de ensino.
         A partir de 1985 se tornou cada vez mais presente nas propostas de modelos de ensino no Brasil e se consolidou com a Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB/96) e os novos PCNs (Planos Curriculares Nacionais) o ensino de História e Geografia para todos os níveis de ensino.
         Baseados na perspectiva teórica de um dos grandes críticos da teoria de Piaget, o desenvolvimentalista Levy Vygotsky que considerava as crianças exploradoras independentes de suas condições biológicas, os PCNs prevêem o estudo dos conceitos históricos, noção de tempo e espaço históricos já na alfabetização, partindo de uma premissa que o conteúdo pode ser introduzindo de um modo adequado a cada fase da criança. 
         Ao falar dos PCNs a autora pontua algumas de suas características e objetivos do ensino de história imprícitos como a intenção de criar cidadãos políticos com um sentimento de identidade.
         Bittencourt aborda, embora de maneira sucinta, alguns métodos inovadores no ensino de história que não vingaram, mais causaram polêmica e representaram uma tentativa de ruptura ao sistema de ensino tradicional como a história temática que valoriza as ações sociais ao invés das políticas. Paulo Freire (1921 – 1997) foi um dos maiores representantes de um ensino inovador, totalmente desvinculado de interesses políticos.
         Na unidade II, Circe Bittencourt dispõe de diretrizes de como selecionar os conteúdos históricos e alerta o profissional educador para o “conteúdo significativo”, insistindo que o professor deve ter condições de atender a um público diverso que exige o uso de diferentes estratégias: o alunato. Além disso, deve estar sempre atualizador e atento às produções historiográficas.
         Sobre o conteúdo a ser ensinado, deve-se observar as diversas maneiras de transmiti-lo, por exemplo, uma história narrativa, econômica ou social. A história das mentalidades assim como a história coletiva ou a micro-história, surgidas com o Annales. Novas abordagens possibilitam o aparecimento de novos sujeitos, o que significa uma visão mais social e cultural da história.
         Ao falar sobre conteúdos históricos, surge a crítica da autora sobre o trato atual da história nacional, que vem sendo deixada para segundo plano, dando lugar a uma história geral ou global. O sistema econômico, atrelado ao estágio de uma mundialização da economia, relega a abordagem do nacional a algo menos importante, embora ajam muitas correntes historiográficas que rompem com o modelo de ensino vinculado a padrões político-econômicos.
O mesmo tipo de crítica é feito à história regional subordinada à história nacional, que no caso brasileiro, acaba sendo história da região hegemônica, geralmente São Paulo. A historiadora Maria de Lourdes Janotti enfatiza que as transformações sociais e econômicas não determinam o destino de um país imenso como o Brasil, as outras regiões também tiveram sua parcela de importância no processo histórico. Bittencourt sublinha essa questão com o exemplo do livro didático que privilegia a história do local em que foi produzido.
         Ao dialogar com o leitor a respeito de como o professor de história deve falar dos conceitos em sua disciplina, Circe Bittencourt descreve três procedimentos fundamentais de como dever ser passados conceitos como: capitalismo, escravidão, aristocracia, liberalismo e cidadania:
·         Situá-los no tempo e no espaço;
·         Explicar que são produtos de uma classe, numa determinada época, criados ou substituídos;
·         O contato entre sociedades provocam mutações de conceitos e agregação de outros.
         Em seguida, a autora lança um panorama sobre o método de ensino tradicional e o inovador considerando suas características ao longo do tempo.
         O método tradicional começou a ser criticado no Brasil na década de 1980 quando surgem em sua oposição muitas propostas inovadoras, porém não deve ser banido do ensino tendo em vista que já foram muito importantes e fazem parte de uma cultura escolar e que qualquer mudança que venha a ocorrer dever ser construída e não imposta.
         Dentre os métodos inovadores há o dialético o qual permite o confronte de idéias e a formação crítica do aluno. Em história tem que haver espaço para o contrário, a dúvida, tal perspectiva se torna viável para a educação construtivista prevista nos próprios PCNs. Essa proposta, tão difundida pelo educador Paulo Freire, não abandona o crédito que é dado ao conhecimento prévio do aluno, cabendo ao professor o papel diagnosticar e reorientar.
         Ao elencar a importância da interdisciplinaridade em história para o ensino, Circe Bittencourt cita as aproximações necessárias entre história e meio ambiente ou a História Ambiental, iniciada pelos estudos dos annalistas franceses na segunda metade do século XX, como March Bloch, Fernand Braudel e Le Roy Ladurie, além de destacar os estudos dos brasileiros Sérgio Buarque de Holanda e Josimar de Almeida e do americano Warren Dian que se dedicou aos estudos da devastação da Mata Atlântica e a cultura dos povos indígenas.
         Outra aproximação citada é o estudo do patrimônio e da memória coletiva que são de suma importância por serem capazes de, através do estudo do meio, introduzirem os alunos no método de investigação histórica.
         Na terceira e última unidade é dado atenção especial ao livro didático e a inserção do documento histórico no ensino de história.
         O livro didático não é tudo, além de a autora entender que é exercício de política em sala de aula feito pelo agente do poder, sugere que com a ajuda do professor o material didático pode ser produzido pelo próprio aluno, ao escrever sobre um documento histórico, além de poderem produzir jogos, mapas, maquetes etc.
         O conteúdo do livro didático é visto com preocupação por Bittencourt não só por ser um instrumento ideológico, mas ser tratado como lucro dentro do sistema capitalista. Além disso, trás a consagração de fatos considerados eixos centrais da história como revoluções, guerras, descobrimentos e independências. Outros estudiosos tecem preocupações parecidas sobre as imagens e suas legendas, pois constroem o imaginário do aluno. O livro didático tem uma difícil, por ser categórico, dificulta a correção de estereótipos preconceituosos formados com o seu mal uso. A autora também trata algumas características com a mistura de instrumentos tradicionais e inovadores como a cronologia, a presença do estruturalismo, indicações de atividades lúdicas para determinada faixa etária.
         Apesar de muitas vezes ser tratado como fonte única do conhecimento, a autora não descarta a importância do seu uso, defende um uso adequado, ou seja, o livro é uma possibilidade auxiliar no conhecimento, pode ser usado como um guia e ser lido de forma espontânea pelo aluno.
         O uso didático dos documentos escritos e não escritos em sala de aula encerra as discussões propostas por Circe Bittencourt. Ferramenta que possibilitam a dinamização do conhecimento histórico, o uso de documentos históricos em sala de aula possibilita à livre interpretação do aluno em contato com métodos de pesquisa histórica, embora alguns historiadores sejam contra por acharem que há nesse método a tentativa de criar “pequenos historiadores”.
         Bittencourt salienta que a atividade da pesquisa histórica requer cuidados ao trabalhar com esse documentos de maneira didática, esse método apenas deve incitar a criatividade do aluno que deve ter apenas um primeiro contato e não ser obrigado a fazer uma análise complexa.
         Os documentos que devem se inseridos em sala de aula mencionados são: jornais, poemas, textos literários, romances, documentos pessoas dos alunos, obras de arte, peças de museus, iconografias diversas, filmes e músicas.
         Diante das abordagens feitas por Circe Bittencourt, podemos concluir que a atividade pedagógica em História é bastante complexa, levando em consideração as várias metodologias que podem ser adotadas pelo professor, tais discussões servem como solucionadoras de muitos problemas que acompanham a história da disciplina. A subjugação do modelo educacional brasileiro à economia neoliberal representa o novo obstáculo à realização de um ensino voltado parta atender a realidade brasileira, ou seja, o ensino feito para elevar o padrão de vida da sociedade. Questionamentos, críticas construtivas e discussões são meios para se chegar a uma conclusão, essa conclusão pode gerar reivindicações da sociedade ou de seus representantes o que interfere de alguma forma nas políticas públicas voltadas para um ensino de qualidade. Hoje temos um ensino e um profissional educador mais aberto a mudanças, uma história disposta a ser vista de diversas maneiras, um ensino que pelo menos em propostas é instigante e enriquecedor da consciência, embora ainda não despreze a prática tradicional da memorização.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação de da Pedagogia: Geral e Brasil. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
SHAFFER, David R. Psicologia do Desenvolvimento: Infância e Adolescência. Tradução de Cintia Regina Pemberton Cancissu. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.


domingo, 6 de maio de 2012

48 ANOS DO GOLPE CIVIL-MILITAR NO BRASIL

 Por Ronaldo Brasil (graduando em História pela UFS)
                                  Orientação: Profª. Dra. Célia Costa Cardoso


Há exatos 48 anos, o Brasil passava um dos momentos mais decisivos de sua História. Esse período entre 13 e 31 de março é data do famoso Comício da Central do Brasil, os 18 dias que separaram o comício do golpe seriam tensos e imprevisíveis para o andamento da política nacional. Alguns militares já articulavam pegar em armas e tomar o poder no momento em que o presidente João Goulart discursava, considerando o anuncio das reformas de base um insulto aos princípios de segurança das forças armadas.
Ao atender a uma política social, o Presidente João Goulart redefine sua posição de político populista. Em tempos de Guerra Fria, essa postura se torna uma ameaça para os defensores do capitalismo industrial que enxergam tais medidas como uma tentativa de instalar o comunismo no Brasil.
            Com a perda de apoio da elite conservadora do país, Goulart decide investir no setor social como forma de dar sustentação ao seu governo. A partir de 13 de março de 1964, através do decreto nº 53700 começa a implantar a política das Reformas de Base com a criação da Superintendência da Política Agrária (SUPRA), atitude que alarma seus opositores políticos.

VEJA NA ÍNTEGRA PARTE DO DISCURSO DA CENTRAL DO BRASIL:
COMÍCIO DA CENTRAL DO BRASIL- DISCURSO DO PRESIDENTE JOÃO GOULART (13 DE MARÇO DE 1964)

            Devo agradecer às organizações sindicais, promotoras desta grande manifestação, devo agradecer ao povo brasileiro por essa demonstração extraordinária a que assistimos emocionados, aqui nesta cidade do Rio de Janeiro. Quero agradecer, também, aos sindicatos que, de todos os estados, mobilizaram seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros, e não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas. Dirijo-me aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem e que pagam em sofrimento, pagam em miséria, pagam em privações, o direito de serem brasileiros e o de trabalhar de sol a sol pela grandeza deste país. Presidente de oitenta milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios. Vou falar em linguagem franca, que pode ser rude, mas simples e sem subterfúgios. É também a linguagem da esperança, de quem quer inspirar confiança no futuro, mas de quem tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade que vivemos. Aqui estão os meus amigos trabalhadores, pensando na campanha de terror ideológico e de sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das lideranças populares mais representativas deste país, que se encontram também conosco, nesta festa cívica.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13 ed. São Paulo/SP: editora da Universidade de São Paulo, 2009.

FONTE
Comício da Central do Brasil. Introdução do discurso do Presidente João Goulart em 13 de março de 1964. Disponível em: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da história do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas, 1996. 6v. p. 840.

ARACAJU, UMA CIDADE PLANEJADA?

                                                                         
            Ronaldo Brasil (graduando em História pela UFS)
Orientação: Profª. Dra. Célia Costa Cardoso

            Aracaju foi construída a partir de 1855, quando sob o governo provincial de Inácio Joaquim Barbosa ocorre a retirada de São Cristóvão da condição de capital de Sergipe. Contudo, essa mudança não ocorreu tão simples quanto pode parecer. Houve muitos protestos da população de São Cristóvão, principalmente do seu principal líder: João Naponuceno Borges (João Bebe Água) que morreu sem por os pés em Aracaju e prometendo ajudar São Cristóvão a ser novamente capital.
O desejo de João Bebe Água e de grande parcela da sociedade sancristovense não se concretizou devido a uma forte aliança existente entre os grandes produtores de açúcar do Vale do Cotinguiba (atualmente Maruim, Laranjeiras e Santo Amaro). Essa região, em meados do século XIX, passava por um auge em sua produção açucareira, razão pela qual seus produtores sentiram a necessidade de transferir a sede político-administrativa para uma região mais próxima ao mar, favorecendo também o escoamento da produção. Dessa forma, o açúcar seria transportado em embarcações através do Rio Cotinguiba, passando pelo Rio do Sal, Rio Sergipe, onde haveria um porto para a entrega do produto aos navios estrangeiros.
Após estudos técnicos realizados pelo engenheiro italiano Sebastião Basílio Pirro, a região onde viria ser Aracaju estava definida. A partir da região do atual centro de Aracaju, próximo à colina do Santo Antônio, onde existia um povoado de pescadores, foram aterrados vastos manguezais para dar lugar a prédios públicos e ruas em formado de um tabuleiro de xadrez, estilo seguido em cidades européias num período em que se valorizavam os centros urbanos como sinônimos de modernidade.
Aracaju, diferentes de outras povoações de Sergipe, surgia de forma planejada dentro de interesses dos produtores de cana da região do Cotinguiba, principalmente o poderoso Barão de Maruim, considerado um dos principais responsáveis por São Cristóvão ter perdido o estatus de capital em 1855.
Não somente São Cristóvão declinou, mesmo Aracaju passou por crises devido a problemas em sua estrutura sanitária, o avanço de doenças, como a cólera que matou o próprio presidente Inácio Barbosa, permitiu que cidades como Laranjeiras, Maruim e Estância conseguissem ampla visibilidade política e econômica durante o final do século XIX.
A partir da República (1889), após uma série de crises, Aracaju inicia de maneira efetiva o seu processo de desenvolvimento como cidade moderna. O avanço das fábricas e os aglomerados urbanos mostram uma capital nova, mas com uma série de problemas que atravessam esses 157 anos. Problemas que são frutos do crescimento desordenado de habitações. Desde a época de Pirro e Inácio Barbosa que imensos manguezais vêm sendo aterrados para construções, fator que contribui para inundações e poluição dos rios atualmente. Deste modo podemos afirmar que Aracaju não foi tão bem planejada assim...

REFERÊNCIAS
CORRÊA, Antônio Wanderley de Melo; ANJOS, Marcos Vinícius Melo dos. História de Sergipe para vestibulares e outros concursos. 7ª reimpressão. Aracaju: Sergipecultura, 2009.
Revista Cinforme dos municípios. História dos Municípios. Edição histórica: Aracaju: Cinforme, 2002.

Por Ronaldo Brasil

ENSAIO: O PRAGMATISMO NORTE-AMERICANO


                       
                                                               Ronaldo Brasil dos Santos (graduando em História pela UFS)
Orientador: Prof. Dr. Luís Eduardo Pina Lima


INTRODUÇÃO

O presente ensaio se inicia com uma observação sobre seu título: norte-americano ao invés de americano. Sua escolha primou pela redução a seu corpo territorial e não à generalização ideológica de denominar o todo com apenas uma parte deste. Falamos de uma parte da América do Norte chamada América. A América possui muita diversidade para merecer tal generalização, o sul e o centro tiveram rumos históricos diferentes, raízes culturais diferentes, um ritmo de vida diferente da América aqui abordada.
A palavra América há muito tempo é usado para designar os Estados Unidos. Desde os tempos de colônia que os viajantes ingleses diziam vir para a América tentar uma nova vida. Na construção da nacionalidade norte-americana, após a Guerra de Secessão, a Doutrina Monroe já indicava a ideologia da expansividade dos norte-americanos. “Somos a América”. “A América para os americanos”. Essas frases, de maneira implícita, não indicavam a união entre os países de toda a América, ou qualquer ação com esse fim, mas o desejo dos norte-americanos de subjugar seus vizinhos. O lema da conquista sem fim, da expansão das fronteiras e de dominar o mundo, de muitas formas, faz parte da cultura norte-americana.
No universo pragmático norte-americano estão presentes valores que remetem as suas origens. As idéias que não tiveram chance de se desenvolver na metrópole inglesa, encontraram terreno fértil nas Treze Colônias. Isso se deveu, principalmente, a ausência de influências do catolicismo medieval entre os colonos que se sentiram a vontade para construir um mundo livre dos bloqueios religiosos da igreja de Roma. Para muitos a colônia não chegou a ser um paraíso, mas permitiu, sobretudo, a formação de uma sociedade empreendedora, nascida da libertinagem do mundo conservador católico.
 Prosperar virou a palavra de ordem dos colonos. Para esse verbo atingir o seu extremo significado, a ambição e a livre iniciativa fizeram estes colonos capazes de muitas coisas para obter lucro. A partir de então, lhe interessa conseguir as ferramentas e os meios necessários para alcançar seus objetivos, ou seja, ser essencialmente pragmático nem que tenha que criar realidades ou adaptar o real à fantasia.
Ao longo de sua história, o homem norte-americano se tornou mais competitivo, individualista, defensor de uma liberdade e democracia próprios da sua mentalidade. E o mais importante: sua religião permitia sua ambição.
Daí consiste seu trauma a sistemas pré-estabelecidos que definem o destino do homem. Este homem agora é dono do seu destino, não quer ser mais preso a sua história. Seu passado o denigre, seu futuro oferece liberdade, riqueza, esperança, a perspectiva do novo que é belo por nascer de sua imaginação.



A IDEIA DE CONQUISTA

A necessidade de conquista caminha ao lado do espírito empreendedor norte-americano. Neste sentido, conquistar vai muito além de ocupar um novo território. A palavra se modernizou assim como o país e hoje se refere principalmente à conquista de mercado consumidor. Consumo este que prolifera o estilo de vida norte-americano em outros países. Atualmente o mundo assiste a um acelerado crescimento tecnológico fomentado pelas necessidades criadas pelo modo de vida norte-americano. A histeria do novo leva ao exagero do consumo, o que traz certos prejuízos a natureza, por exemplo, o aumento no número de veículos e o conseqüente aumento da poluição. As grandes empresas norte-americanas espalham seus tentáculos pelo mundo, impondo o consumo de seus produtos, a reverências as suas marcas e a seus símbolos icônicos.
Nascidos da liberdade do lucro com a Reforma Religiosa do século XVI, os norte-americanos têm pressa de produzir mais para consumir mais e sua expansividade faz grande parte do mundo ser assim.
A conquista do oeste, lá na segunda metade do século XIX, não significa um afastamento dessa realidade, a distância é somente no tempo. O motor da conquista é a presença de um inimigo a ser vencido, o que muitas vezes na história fora construído mentalmente, geralmente alguém que, de certa forma, impediria seu expansionismo. Como no caso das bruxas que impediriam o expansionismo da fé puritana, os comunistas que ameaçaram a expansão do seu modelo econômico, os terroristas que tentam desequilibrar seu poder e o totalitarismo que ameaçava dominar e escravizar o resto do mundo. Já no velho oeste, os índios foram o principal empecilho da conquista e não as dificuldades do território não muito atrativo a princípio, necessitando de um pesado investimento para ocupar e desenvolver a região.



A CONSTRUÇÃO DA VERDADE: IDEOLOGIA E CINEMA

O filme tem um papel primordial de dar vida a um passado histórico, mostrando como a sociedade de uma época vê esse passado. Um discurso histórico é produzido pelo filme à medida que este tenta traduzir uma época com seu dicionário moderno. Como produto e instrumento ideológico, o filme se aproxima de um documento histórico, pois este é feito por um homem de carne e osso passível de erros, intenções e visões particulares sobre um fato histórico. A ideologia presente num filme ou num documento histórico, por sua vez, constrói verdades, o que faz parte das características da sociedade que o produz, detalhe que não deve ser desprezado na análise do historiador.
O cinema norte-americano se formou dentro de um projeto ideológico de uma nação que abandonava seu passado, mas também necessitava reconstruí-lo. Precisava de símbolos heróicos, idéias para que servissem de referência. Difícil foi ser tão perfeito quanto esses heróis idealizados.
A cinematografia norte-americana é uma rica fonte que ajuda a entender seus valores e como estes se reflete em sua história. A oportunidade de montar seu próprio cenário e escolher seu tipo de personagem, fez do cinema um meio profícuo de verdades multifacetadas, é nele que os mitos ganham vida e mostram ao mundo um padrão ainda não alcançado.
Nos filmes, a ocupação do oeste se deu de forma heróica com a expulsão e eliminação dos índios. Na verdade, heróica foi a ocupação de um território em grande parte semiárido e de possibilidades de sobrevivência incerta. Não fosse a intensa propaganda da existência de um Eldorado para atrair imigrantes talvez não desse tão certo. Na verdade a região oferecia muitos desafios e desilusões a seus habitantes. As efêmeras descobertas de minérios beneficiaram bem mais às grandes empresas que detinham o monopólio da exploração. Os meios de transportes a princípio eram muito precários. Havia lutas com os índios pelo domínio das terras. Muitos foram induzidos a morar em cidades que se quer existiam. Apesar dos percalços da ocupação, o velho oeste foi retratado nos filme de forma idealizada. Os norte-americanos sabem idealizar o passado tanto quanto o futuro. É neste cerne que reside o seu herói do faroeste: o cowboy.
Os vários heróis norte-americanos são adorados pelo mundo a fora. Desde criança se aprende, através dos desenhos, a gostar da perfeição destes mitos. Suas cores e gestos são adorados e repetidos invariavelmente nas brincadeiras infantis. Com o tempo, essa referência se transporta para os games e filmes. Mordemos a isca e passamos a consumir o biscoito e a pipoca com a cara do nosso super herói, que passa a ser o nosso anjo da guarda. Essa ação osmótica é inevitável. Quem nunca sonhou em ser o Super Homem ou o Capitão América? É sedutor! Mas voltemos ao cowboy.
Os filmes de John Wyne são um exemplo da construção de um personagem forte e valente, o desbravador do oeste, um infalível matador de índios. O cowboy, na verdade era um vaqueiro praticante de atividades campestres que conduzia o gado de uma região a outra, procurando um bom pasto para seu rebanho. Sua bravura estava presente nos rodeios, ao derrubar uma rês ou na disputa por mulheres. Nada de fabuloso. Sua vida de pecuarista era perigosa e cansativa, o que lhe conferia determinados valores. Talvez seu heroísmo residisse em conseguir povoar um território quase deserto e repleto de desafios.

“... Os cowboys percorriam a cavalo essas imensas extensões [do Texas], zelando pelo gado, trazendo ao estábulo os animais doentes, ajudando as vacas a parir, destruindo os animais nocivos, lutando contra os ladrões, recolhendo os animais isolados ou perdidos. O cowboy vivia de seu prestígio e levava uma existência ativa ao ar livre, embora tivesse perdido o essencial de suas atribuições. Nada impedia que continuasse sendo, em relação ao agricultor ou mesmo ao mineiro, o homem das ocupações nobres. Quando aparecia numa cidade, num sábado ou domingo, impunha sua superioridade tanto sobre as mulheres quanto sobre os outros frequentadores dos saloons e casas de jogo.” (FOHLEN, 1989, p. 126).




ESTADOS UNIDOS: UM PAÍS FRAGMENTADO

A maneira com que se apresenta para o mundo, principalmente a través do discurso político, mostra um Estados Unidos coeso e eficiente em tudo que faz. Os conflitos internacionais são encarados como uma guerra entre o bem e o mal em que o resto do mundo é chamado a guerrear do eu lado. Os Estados Unidos que são suprimidos da mídia é o das desigualdades, da xenofobia, o maior poluidor do planeta e praticante de crimes contra a dignidade humana. Bem, isso não aparece nos filmes. Sua realidade é também de um país dividido em guetos.
Como demanda se seu pragmatismo, não importa os meios, mas o objetivo final a ser alcançado. E a melhor maneira encontrada para não canalizar suas riquezas para outros países através dos imigrantes foi separar estes dos “verdadeiros” americanos. Além de uma forma de se proteger da miscigenação, de ataques de inimigos e separar pobres e ricos, imigrantes dos americanos de origem.



A MODERNIDADE POLÍTICA E O LIBERALISMO ECONÔMICO
A modernidade política norte-americana tem origem na nação que a gestou. Em pleno século XVI a Inglaterra rompia com a igreja católica, o poder do parlamento crescia, a burguesia se fortalecia, a política de cercamentos projetava o avanço do novo modelo econômico: o capitalismo, o poder absoluto do rei é questionado, um fato inglês que abalou o mundo foi ter um rei sendo guilhotinado e, enfim, a Revolução Industrial. Enquanto que em países como França, Espanha e Portugal o poder do rei e da igreja católica prevaleciam com mais força.
É notório que a Inglaterra do século XVII já se acostumara com a idéia do lucro. Suas Treze Colônias da América acabaram sendo o refúgio dessas idéias, o que possibilitou o desenvolvimento de um espírito do capitalismo fertilizado pela  ética protestante. Não somente uma elite intelectual puritana teve chance no “novo mundo”, as péssimas condições de trabalho na cidade e a expulsão do camponês de seu trabalho reacenderam a esperança da prosperidade, ilustrada nas palavras de Jean-Pierre Fichou:

“... O sistema estabeleceu-se solidariamente nesse país, pois todas as condições lhe eram favoráveis: os imigrantes, acostumados a trabalhar a força para um proprietário de bens, tinham livre acesso a terra e sua propriedade era protegida pela lei. A opinião pública e as igrejas consideravam o trabalho a atividade mais digna, enquanto a nobreza européia celebrava a ociosidade. Os poderes públicos velavam pelo respeito à liberdade de empreender, enquanto que as guildas européias operavam como guarda-caça.” (FICHOU, 1990, p. 94).

Os princípios da livre iniciativa e da liberdade do lucro vão influenciar bastante no liberalismo econômico até os dias atuais. O Estado não pode barrar o avanço da economia nem interferir em suas decisões. Sua relação é de puro assistencialismo, ou seja, se a economia vai mal o Estado deve intervir para reequilibrá-la. Casos como a assistência do Estado na crise de 1929 não foram raros na história dos Estados Unidos. Inclusive, o Estado é o grande consumidor, a exemplo, a indústria bélica que fornece armamento para o exército americano, pago pelo Estado. Essa relação interfere decisivamente no apoio político que o presidente pode angariar para se manter no poder. Hoje esse modelo de relação ente Estado e economia se mundializou, obrigando muitos países a atender prioritariamente os interesses das multinacionais sobre pena de sofrer restrições econômicas ou até ser considerados inimigos.
Essa supervalorização do econômico o faz tão pragmático a ponto de esquecer sua história, sua cultura acaba sendo enterrada como um prédio antigo que precisa ser demolido para dar lugar a um novo. Os heróis são esquecidos para dar lugar a outros. Seu mundo é artificial. O homem norte-americano é nômade, nada o prende em lugar algum, pode trabalhar, se alimentar e se divertir em movimento, dentro do seu carro. Até mesmo sua casa pode mudar de lugar, é o país inventor dos trailers, da cadeira de balanço que mesmo parada se movimenta.
Esse mundo dinâmico e competitivo em que alguém tem que perder para outro ganhar, prevalece a lei do mais forte sobre o mais fraco advindas de interpretações do darwinismo social. Isso quer dizer que a pobreza e miséria aguda de muitas nações pelo mundo é justificada pela riqueza daquele que foi mais capaz e empreendedor. Essa máxima está enraizada nos valores norte-americanos que encara sempre o resto do mundo como seu rival, adversário de um jogo onde um vai subjugar o outro, se preocupando o tempo todo em conquistar, derrotar um inimigo. Os espólios que se encontram em muitos países hoje é fruto do triunfo norte-americano sobre o resto do mundo.
Seu pragmatismo também o impede de levar em consideração fatores considerados de suma importância como a aquecimento global. Ao se recusar a assinar o Protocolo de Kyoto, os Estados Unidos confirmam o seu lema de que a produção e o consumo não podem parar. Até hoje o mundo se pergunta o porquê das duas bombas no Japão se a guerra estava ganha. Os americanos não poderiam, é claro, perdem a oportunidade de assustar o mundo. Dizer apenas: “não ameace a nação mais poderosa do mundo”. Seus princípios ainda continuam a sacrificar os direitos humanos na prisão de Guantánamo e também a saúde do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser sempre eficiente, perfeito como seus heróis e atingir uma totalidade, conseguir um objetivo por mais doloroso que seja. Os Estados Unidos lançam sobre si uma responsabilidade sobreumana. Até quando o peso dessa responsabilidade será suportado? Quais suas conseqüências para o mundo?
Após o fracasso na Guerra do Vietnã na década de 1960, os americanos passaram por uma série de traumas que não significavam nada além do simples fato de aceitar uma derrota. Seus heróis também enfrentam inimigos fortes, passam por crises e adquirem características humanas, era um sinal de que a megalomania do triunfo chegara à exaustão.
Nas últimas décadas a histeria se reacende, é preciso derrotar mais inimigos. O socialismo recua com a queda do muro de Berlim, porém é preciso conquistar mais e intensificar sua presença no Oriente Médio, sedento por petróleo em abundância em muitos países da região. O ataque as torres gêmeas em 2001 representou uma das maiores ameaças ao seu império ao longo da história, além de também ser mais uma derrota. O inimigo da vez é o terrorismo, embora também atue na eliminação de ditadores ou governos que não aceitam sua influência. Procurou ser exemplar a si mesmo na guerra contra o Iraque e Afeganistão, pois eram os seus aliados infiéis. Triunfa com a execução de Sadan Husen e Osama Bin Laden, mas o medo do terrorismo e das armas nucleares são o suficiente para manter uma espécie de “guerra fria” que atualmente circula nas mentes dos norte-americanos. Prefiro encerrar com duas reflexões: até quando o pragmatismo norte-americano vai lhe ser útil? O que poderá ocorrer quando inevitavelmente surgirem maiores derrotas aos Estados Unidos?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRO, Marc). Cinema e História. tradução de Flávia Nascimento, Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1992. p. 70 – 115.
FICHOU, Jean Pierre. A civilização americana. tradução de Maria Carolina F de Castilho Pires Campinas/SP: Papirus, 1990.
FOHLEN, Claude). O faroeste (1860 – 1890). tradução de Paulo Neves, São Paulo/SP: Companhia das Letras, 1989.
HELMAN, Lilian). A caça às bruxas. tradução de Tonie Thomson, Rio de Janeiro/RJ: Francisco Alves, 1981, p. 01 – 21.
HILLS, Ken. A Guerra do Vietnã. tradução de Valter Lellis Siqueira, Editora Ática, s/d.
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: da colônia à independência. São Paulo/SP: Contexto, 1990.
NARO, Nancy Priscilla S. A formação dos Estados Unidos. 3ªed. São Paulo/SP: Atual, 1988.

REFERÊNCIA FÍLMICA
CARVALHO, Walter (fotografia). América. Texto de João M. Lopes, narração de José Wilker. Vídeo filme, Rede Manchete, s/d. 4 episódios.
HYTNER, Nicholas. As bruxas de Salem (The crucible). EUA, Twentieth Century Fox, colorido, 1996, 123 min.
KAPUR, Shekhar. Elizabeth. Waner Home vídeo, Poligrant Filmed Entertainment, USA, 1998. 102 min.